Sala de Maravilhas era
uma coleção enciclopédica na Europa Renascentista, de tipos de objetos cujas
fronteiras categóricas estavam ainda por ser definidas. A terminologia moderna
viria categorizar os objetos incluídos como pertencendo à história natural, à
etnografia, ou como relíquias históricas, obras de arte, antiguidades, etc. Um
microcosmo ou um teatro do mundo, um verdadeiro teatro de memória.
Os Wonder
rooms ou coleções de maravilhas consistiam, no entanto, mais do que mera
ostentação de conhecimento ou mundanismo, eram inventários particulares,
individuais, altamente meticulosos do que se sentia como fora do comum, como
marcante, estranho, singular. Uma espécie de diário tridimensional do que
produzia maravilha em uma pessoa. O resultado de uma visão rebuscada do que se
exporia para o mundo ver. Há na coleção antes de tudo a figura daquele que
escolhe o que recolher do mundo para que os outros o vejam. Desejo de partilha?
Desejo de inventário? Construção de um passado? Sua invenção?
O que quer que orientasse os primeiros donos dos gabinetes de curiosidades, algo em comum
os agrupava: o desejo de aproveitar da sua posição para realizar um inventário
do mundo. Um modo talvez de se apropriar desse universo em transformação, onde
os traços da história começavam a ganhar uma visibilidade inédita na vida
individual.
Nos dias atuais, onde museus tomaram a função de
guardiães da história comum dos homens, onde as categorizações ganharam a força
dos incontornáveis, o desejo de realizar o seu próprio inventário do mundo, a
sua própria coleção de maravilhas, no entanto, não nos abandonou. Visível na
incomensurável quantidade de blogs e na proliferação de redes de relacionamento
virtual, mais do que nunca a força dos inventários continua a levar indivíduos
a dedicar uma boa parte do seu tempo (aliás, uma parte bem preciosa), a
coletar, a reunir para depois compartilhar com os demais. Ao mesmo tempo o ato
de colecionar parece uma busca por testemunhas do seu presente e por lançar-se,
ainda que de maneira trôpega, incerta, no desafio de se criar um outro passado
visível, acabe gerando um outro futuro possível. Uma história sem a obrigação
de sentido, de verdade. Colecionadores como alteradores de realidade através do
desencavar de coisas que produzam a sensação de maravilha, de alteridade.
Pontos de desvio, pontos de inauguração de sentidos, portas para outros
universos.
Sala
de maravilhas
se lança assim à aventura de criar uma coleção de maravilhas de um grupo de
artistas e sua inserção em tempo real na vida compartilhada com as demais
pessoas. Uma coleção de suas trajetórias artísticas, dos seus dias, de sua
inserção em uma história da arte da cena, dos seus imaginários e dos de uma
época. Uma coleção de homens e mulheres, de mundanos, de brincantes, de
sincretistas, de tropicálias revividas. Uma coleção de sublimes.
Pensada como um encontro, Sala de maravilhas,
reúne em torno de Gustavo Ciríaco, um conjunto de artistas, entre os que
trabalham com Ciríaco há anos e os que lhe são companheiros de cena, de
história, todos envolvidos na construção de um lugar, de um inventário, de um
presente passado futuro em uma sala de maravilhas.
O projeto foi contemplado pelo FADA 2012 (Fundo de
Apoio à Dança da Cidade do Rio de Janeiro). Ciríaco integrou o programa
International Creator in Residence da Tokyo Wonder Site, no Japão desenvolvendo
o projeto A room of Wonder | Tokyo, com 9 artistas locais. (Set.-Nov. 2012). Em
Janeiro, o projeto se inicia no Rio de Janeiro com artistas locais.
Sala de Maravilhas | Rio de Janeiro
Concepção e Direção Artística – Gustavo Ciríaco
Núcleo central - António Pedro Lopes, Dyonne Boy, Gustavo Ciríaco, Ignacio
Aldunate e Milena Codeço
Artistas convidados - Marcela Levi e Lucía
Russo
Artistas colaboradores: Pedro Rivera (arquitetura),
Marta Bernardes (poesia), Fred Benevides (cinema), Domenico Lancelotti (música)
Estagiário - Lucas Bueno
Cenografia – Pedro Rivera
Direção de Produção e Administração– Marta Vieira
Fotografia - Paula Kossatz